Hoje publico a opinião de Jorge Wahnon, adepto luso-cabo-verdiano. É interessante perceber a posição de um adepto de futebol com "coração dividido". Não percam!
- Apesar de Cabo Verde não estar presente no Mundial, os cabo-verdianos estão entusiasmados com o Mundial?
Naturalmente, como em qualquer país onde o futebol seja o "desporto-rei".
Este ano, é possível que o entusiasmo seja um pouco maior por o mundial se jogar no Brasil. Há muitos estudantes cabo-verdianos naquele país, muitos que lá estudaram e muitos que têm relações comerciais, temos uma grande influência daquele país no nosso dia-a-dia e na nossa cultura, tal como temos de Portugal e creio que se sente uma maior proximidade a este mundial.
- Qual é a equipa que a maioria dos cabo-verdianos apoia neste Mundial?
Não sei ao certo. Especularei que seja Portugal, embora, seja bem possível que a soma daqueles que torcem por outras selecções seja tangencialmente maior do que número daqueles que apoiam Portugal.
- Ao contrário de outras antigas colónias, Cabo Verde parece manter ligações estreitas com a antiga metrópole, com especial destaque para o desporto. Qual a razão que encontrar para esse fenómeno?
Não creio que Cabo Verde mantenha ligações mais estreitas com Portugal do que outras antigas colónias. Pelo menos, quando falamos dos PALOP. Muito menos é o caso, quando o tópico é futebol. A razão para esse fenómeno é, a meu ver, simples. Geralmente, as pessoas são fãs dos mesmo clubes e apoiam as mesmas selecções que os seus pais, tios, primos ou avós. Cabo Verde, como os restantes PALOP, acedeu à independência recentemente, grande parte da população nasceu num tempo em que Cabo Verde era território português, os nossos avós eram portugueses e naturalmente eram adeptos, na sua maioria, de equipas portuguesas e apoiavam a selecção portuguesa.O fenómeno é idêntico ao de um amante de futebol português. Creio que seria necessário um verdadeiro fenómeno para que uma diferença entre os dois povos levasse ao fim dos adeptos de clubes portugueses em Cabo Verde. Eventualmente, a diferença está no número de outros clubes e seleções que também se apoia. Muitos cabo-verdianos são fervorosos adeptos de clubes de outros campeonatos e de outras selecções, algo que não é tão comum em Portugal. É - a título de exemplo perfeitamente aleatório - comum ser-se abertamente apoiante do Benfica, Real Madrid e Manchester United, sem grande diferença na intensidade com que se vivem as vitórias e derrotas de cada clube.
- Censuras os jogadores que tendo nascido em Cabo Verde ou nascido em Portugal filhos de cabo-verdianos, optaram por jogar por Portugal?
Não censuro de todo. Todos procuramos ser felizes e construir um futuro melhor para nós próprios. Jogar pela selecção das quinas ou de qualquer outra potência futebolística é mais interessante para qualquer jogador, garante uma maior exposição do próprio e permite uma participação em taças e campeonatos mais competitivos. Naturalmente, dada a oportunidade um indivíduo procurará sempre o melhor para si, salvo raras excepções.
Censuro sim, um sistema no qual os jogadores podem optar facilmente por jogar noutras selecções, apenas por ser conveniente. Falo de eventuais acelerações em processos de aquisição de nacionalidade e a recusa em comparecer a convocatórias apenas pela expectativa de um dia serem suficientemente bons a ponto de poderem despertar o interesse de uma selecção melhor. A meu ver quem tem um processo de aquisição de nacionalidade idêntico ao de qualquer outro trabalhador e que não recusou nenhuma convocatória deve poder jogar por quem o convoque.
- Achas possível contrariar essa opção recorrente? Se sim de que forma?
Há demasiado interesse para que o status quo se mantenha. No entanto, o esforço institucional que se tem feito a nível da FIFA para limitar tais situações, apesar de insuficiente, vai no bom caminho. Existem ainda casos polémicos como os de Diego Costa ou do Fernando, apesar disso, vejo como positivo o esforço que existe para limitar a escolha de uma nacionalidade e selecção como quem escolhe o pedido de refeição no restaurante. Espero que o esforço continue, se continuará a evoluir nesse sentido ou se veremos retrocessos é muito difícil de prever... é um processo, lento e frustrante por natureza.
A par desse esforço institucional deve existir uma tentativa de educar a população e potenciais jogadores relativamente à importância do serviço público e embutir assim algum espírito patriota. A importância de devolver algo à nossa comunidade, a honra de envergar as cores do nosso país e a inspiração que uma boa prestação de uma equipa nacional pode dar a um povo é algo que deveria passar a estar presente na consciência de qualquer atleta. Os cabo-verdianos sentiram isso na recente participação na CAN e quem sabe, talvez essa participação tenha influenciado futuros atletas.
Seja como for, não condeno os jogadores e não dou demasiada importância a este tópico, apesar de tudo vivemos num mundo global e Cabo Verde é um país de emigrantes.
- Voltando ao Campeonato do Mundo, tem-lo seguido?
Naturalmente, apesar das contrariedade impostas pelo fuso horário e pela RTP que decidiu apenas transmitir alguns jogos, tendo considerando que a programação habitual é um serviço público maior do que a transmissão dos jogos, incluisive daqueles que se jogam às 2 da madrugada. Vá se lá perceber...
- Qual é a equipa que a teu ver vai ganhar o Mundial?
Creio que a Alemanha tem a melhor selecção, o Brasil a melhor probabilidade de ganhar mas espero que ganhe Portugal (embora não acredite muito).
- Qual será o melhor jogador?
Deveria ser o Ronaldo mas tenho a impressão que nos campeonatos do mundo, os candidatos naturais ao título raramente o ganham, como tal, creio que será o Robben ou o Van Persie.
- Se não ganhar Portugal, qual a equipa que preferes que ganhe?
A Holanda. Vivi lá e gosto muito do futebol da laranja mecânica e creio que mereceram o de último. Caso não sejam eles, espero que seja a Bélgica mas creio que não têm grandes hipóteses. Até porque existe a possibilidade de encontrarem Portugal nos oitavos de final e nesse caso espero que sejam eliminados.
Gostaria de agradecer a oportunidade de responder a estas questões e relembrar que aquilo que disse sobre Cabo Verde e cabo-verdianos é um reflexo de constatações pessoais, por ventura condicionadas pelos amigos que tenho e as cidades que conheço melhor, logo potencialmente errado.
(Respostas de 17 de Junho).